Camila R. Carvalho
1 INTRODUÇÃO
Assim, é oportuno estudar os entraves relacionados ao surgimento e utilização do jeans no contexto da moda moderna revelando a sua significação pela óptica social e individualista em que ele se inseriu, sendo de importância teórica e social aprofundar o conhecimento e as discussões acerca desse tema, de forma que seja possível a identificação deste como símbolo de individualismo ou de uniformização social e sexual.
Este trabalho é de natureza estritamente teórica e de cunho informativo, e vale-se metodologicamente da pesquisa bibliográfica, com utilização de livros, artigos, pesquisas na internet e outras publicações do gênero em é uma pesquisa qualitativa, uma vez que se pretende expressar o sentido de um fenômeno do mundo social, tendo por objetivos: verificar de maneira conceitual o significado da moda na história moderna; além de fazer uma análise do uso do jeans dentro desse contexto social com intuito de identificar sua relevância como expressão do individualismo ou como conciliador de classes, uma vez que, como visto, ele é usado por representantes de todas as camadas consumidoras.
Desta feita, o artigo abordará propedeuticamente a historia da evolução do uso jeans, a partir do seu surgimento na América; em seguida, a pesquisa tratará da moda moderna em uma abordagem conceitual através das definições dadas por estudiosos do tema a esse fenômeno; o tópico seguinte trará uma discussão a respeito da representatividade do jeans como elemento de moda inserido no contexto significativo da moda moderna; enquanto que no ultimo tópico serão dadas as considerações finais e a resposta para questão que essa pesquisa tem o intuito de responder.
2 HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO DO JEANS
O jeans antes de se tornar popular com é, levou um tempo para ser bem quisto no mundo todo, daí a importância de se realizar um estudo propedêutico acerca de seu surgimento e participação na história da indumentária.
O jeans surgiu no século XIX, no auge da corrida do ouro no oeste norte-americano (CORDEIRO; HOFFMANN, s/d, s/p).
Foi em 1847, quando o jovem Levi Strauss partiu da Alemanha rumo aos Estados Unidos e se instalou em Nova York, onde montou uma alfaiataria. Com a corrida do ouro e as minas no oeste norte-americano fervendo, Strauss se juntou ao amigo Jacob Davis, também alfaiate, e partiram para a região com grandes pedaços de lona na bagagem. O objetivo da empreitada era vender a lona para os mineradores, que utilizariam o material para cobrir barracas e carroças. Com a clientela atingida e as vendas indo bem, os empreendedores receberam uma curiosa encomenda por parte de um dos trabalhadores locais: uma calça confeccionada com aquele pano que ele já vendia, alegando que o dia a dia nas minas estragavam as vestimentas tradicionais muito rapidamente. O ideal, segundo o minerador, seria vestir um uniforme mais resistente ao trabalho árduo (FERNANDES, 2010, p. 30).
Figura 1: Anúncio publicitário da empresa de Levi Strauss, retirado do site Portais da Moda.
No entanto esse tecido já havia sido fabricado em 1792 em Nimes, na França, e chamado de denim (FERNANDES, 2010, p. 30), que em principio era importado para a Itália para confeccionar os uniformes dos marinheiros de Genova – os genes – e por esse motivo o material usados por eles acabou sendo apelidado pelos norte-americanos e difundido pelo mundo com o nome de jeans (CORDEIRO; HOFFMANN, s/d, s/p).
Até a década de 1930 o jeans era usado na América somente por mineradores e trabalhadores rurais, e somente no final desta e inicio dos anos 40 passou a ser usada pelos dois sexos, uma vez que a Europa se reerguia no pós-guerra, a tendência da moda favorecia o uso do jeans por sua praticidade e conforto (FERNANDES, 2010, p. 32).
Mas foi nos anos 50 com a influência musica e cinematográfica que o jeans se estabeleceu como peça essencial que é hoje (FERNANDES, 2010, p. 23), e segundo Cordeiro e Hoffmann (s/d, s/p) foi que:
[...] o jeans se transformou em símbolo de rebeldia, quando, no filme Juventude Transviada, o ator James Dean, no papel do jovem e rebelde Jim Stark, apareceu usando a combinação clássica: calça jeans e camiseta branca. Além de Dean, Marlon Brando e Elvis Presley contribuíram para que o artigo se disseminasse entre os jovens da época, que teve sua imagem intrinsecamente ligada ao rock. A imagem rebelde do jeans se tornou tão forte, que o traje passou a ser proibido nas escolas e em lugares como cinemas e restaurantes. Logo depois, novas modelos, como Marylin Monroe, usavam o jeans com um apelo sensual.
Figura 2: Ator James Dean cujo estilo foi seguindo pelo público jovem nos anos 50 (foto de Jon Ragel).
E então, o jeans atravessou o século XX como o artigo de moda mais democrático e popular que já existiu, subindo as passarelas pela primeira vez ainda nos anos de 1970 com estilista Calvin Klein, e na década de 1980 o jeans já havia se consolidado como moda casual de estilo autêntico e eclético (CORDEIRO; HOFFMANN, s/d, s/p), que apesar da inconstância da moda, resistiu ao tempo.
3 MODA MODERNA: ABORDAGEM CONCEITUAL
Lipovetsky (1989 p. 9-152) dispõe que a moda não é um fenômeno vazio de desafios teóricos, mas sim um sistema permanente que toma lugar na história e se estrutura pelo efêmero e por sua mobilidade frívola da sempre presente busca pelo o novo e, por esse motivo, divide a moda em três momentos que se desencadeiam para a formação de sua definição moderna; o primeiro é o momento aristocrático, no qual a moda se apresenta como um sistema de regulação e pressão social que se coloca pelo meio da rivalidade de classes; o segundo momento é chamado pelo autor de moda dos cem anos, quando surge de fato a criação de moda e o estilismo, em uma manifestação mais democrática e criativa, mas ainda com tendências unificadas; já o terceiro momento evolutivo da moda considerado pelo autor como moda aberta se caracteriza pelo ímpeto individualista, no qual as tendências relativamente unificadas deram lugar a um “patchwork de estilos díspares”, onde nada mais é proibido.
Assim, a moda moderna se define como expressão do individualismo, onde estilos e gostos diferentes convivem e são objetos de moda.
Nesse sentido, Daniela Calanca (2008, p. 11-19) diz que a moda em sua etimologia vem do latim modus, que significa modo ou maneira, e o seu uso na história moderna alude ao seu caráter de temporariedade e de busca pelo novo, sendo entendida ainda, como um dispositivo capaz de revelar lados ocultos da natureza humana.
Desse modo, pode-se considerar a moda como o modo ou estilo que revela os gostos e as características pessoais de quem a veste.
Roland Barthes defende que a moda é um signo de sociedade e a roupa é um campo imaginético dessa sociedade (BARTHES apud SANT’ANNA, 2007, p. 80); e Jean Baudrillard, vai além, e “[...] considera a moda como uma forma universal, como um fato social total” (BAUDRILLARD apud SANT’ANNA, 2007, p. 80); já Herbert Spencer explica que a relação da moda com a estrutura social encontra sua base nos processos de imitação competitiva (SPENCER apud SANT’ANNA, 2007, p. 81) onde a busca pelo novo coexiste como a imitação pelo desejo de ser reconhecido por determinado grupo social.
A moda é então, mais que simples expressão do individualismo de gostos que mudam com o tempo, ela também possui caráter de distinção social, e ainda, é definidora e caracterizadora da sociedade na qual ela funciona.
Assim, segundo versa Lipovetsky, deve-se observar na moda moderna que, “a novidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir o que se faz de novo e adotar as ultimas mudanças do momento: o presente se impôs como eixo temporal que rege uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites” (LIPOVETSKY, 1989, p. 39).
No entanto, como se constatou do estudo da evolução histórica do jeans, o gosto pelas novidades nesse caso seria relativo, uma vez que, esse material atravessou a história da sociedade capitalista resistindo a temporariedade e a constante busca pelo novo que os estudiosos do tema colocam como elemento de conceituação da moda moderna.
Não obstante a isso o jeans se encaixa como elemento de moda que representou a exteriorização da personalidade e do conteúdo dos sujeitos representando a funcionalidade necessária aos trabalhadores do final do século XIX e inicio do século XX e a rebeldia nos anos de 1950, tornando-se forma de comunicação da cultura de épocas distintas, mas embora durante certo tempo esse material tenha se encaixado como característico da classe laboral ou da rebeldia juvenil, hoje ele não é mais da seara da oposição de identidades e nem da rivalidade de classes.
4 O JEANS
Ao se fazer uma análise visual da sociedade moderna quanto ao uso do jeans, se constata a aceitação geral desse material. O jeans, segundo Reich “[...] expressa com profundidade os valores democráticos. Não há distinções de riqueza ou status; as pessoas confrontam-se mutuamente desembaraçadas dessas distinções” (REICH apud BARNARD, 2003, p. 182).
Nesse sentido, o sucesso do jeans é tido como um fator de uniformização das classes e dos sexos, no entanto Gilles Lipovetsky diz que, embora se tenha dado essa concepção ao jeans,
[...] a impressão de uniformidade e de conformismo dada por esse tipo de roupa: todo mundo se parecer, os jovens, os menos jovens, as moças e os rapazes já não se diferenciam, o jeans consagraria a padronização de massa das aparências, a negação do individualismo no vestuário. Ilusão de perspectiva; com isso se deixa escapar o que há de mais especifico no fenômeno. O jeans como toda moda, é um traje escolhido, de maneira nenhuma imposto por uma tradição qualquer; depende, por isso, da livre apreciação das pessoas, que podem adotá-lo, rejeitá-lo, combiná-lo à vontade com outros elementos (LIPOVETSKY, 1989, p. 148).
Assim, o autor considera que o individualismo da peça jeans é dado pela sua alternativa e sua adaptação pelo usuário, uma vez que é lhe dado o poder de escolha pelo uso ou não uso, pela marca ou pela modelagem da peça.
Visto que o jeans, em seu processo evolutivo, levou um tempo até alcançar o status igualitário que Lipovetsky contesta, autores como Malcolm Barnard, e outros citados por ele em seu livro “moda e comunicação” afirmam que o jeans, quando teve seu uso difundido a partir da década de 1950, se apresentou como um elemento de oposição dos pequenos grupos culturais violentos, como os hippies ou gangues de motoqueiros, contra o grupo dominante conservador americano (BARNARD, 2003, p. 191).
Assim, de acordo com as palavras de Barnard o jeans “[...] era usado pelos que criticavam pelos que criticavam a ideologia prevalecente ou dominante da época para construir uma posição da qual aquela ideologia podia ser criticada e defrontada; constituíam um ponto de resistência àquela ideologia dominante” (BARNARD, 2003, p. 191).
No entanto o jeans foi aos poucos sendo incorporado por essa ideologia dominante, visto que:
Do mesmo modo que estava sento usado para assinalar um desejo de escapar dos limites das identidades de classes, ou recusá-las, ele era usado precisamente para estabelecer aquelas identidades. Estava se tornando domesticado e voltado para o trabalho de construir e sinalizar exatamente os gêneros de distinções de classes de que pretendia escapar (BARNARD, 2003, p. 191).
Dessa maneira, o sistema dominante se apropria do produto e dos valores embutidos nele como de identificador da ideologia juvenil e o torna lucrativo (BARNARD, 2003, p. 192). O jeans então se difunde não como diferenciador de classes e de sexos, e sim como elemento de moda que é capaz de revelar a identidade de quem o usa, seja através de elementos pessoais inseridos pelo seu consumidor ou através da marca ou modelagem escolhida, sendo, portanto, extremamente popular pelo seu uso geral como também expressão do individualismo de seus usuários.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa pesquisa foi feito um estudo histórico no qual se constatou que para entender o significado do fenômeno do jeans é preciso, primeiro, analisar o seu processo evolutivo desde o seu uso como elemento utilitário ao trabalho pesado até o seu uso como elemento inserido dentro da conceituação que se dá a moda moderna, sendo possível, depois desse estudo da sua historicidade, verificar que a sua consolidação como moda casual e eclética o levou a consagração como elemento de moda que resiste ao tempo e mesmo a característica de ser inconstante que define a moda como se conhece.
Dessa maneira, da análise dos conceitos de moda moderna dados pelos autores citados nessa pesquisa, conclui-se que a moda não é simples expressão do individualismo de gostos mutáveis no tempo, nela também está inserido o fator de distinção social, sendo, além disso, definidora e caracterizadora da sociedade que a consome; e o jeans, dentro desse sistema de conceituação, surge também como elemento comunicador da cultura e de épocas distintas, no entanto, foi possível observar que embora esse material por um tempo tenha identificado classes laborais e mais tarde tenha sido característico de grupos rebeldes juvenis, na observância de seu uso atual constata- se que ele não representa mais oposição de identidades nem rivalidades de classes, o jeans é então um elemento de moda revelador de indivíduos díspares, uma vez que, ao mesmo tempo que é usado por homens e mulheres, jovens e velho, ricos e pessoas humildes, hoje é inserido nesse material valores expressos por marcas distintivas de classes e modelagens distintivas de estilos e gostos, sendo possível a liberdade de escolha pelo seu uso ou não, o que impossibilita a afirmação de que o jeans é mero uniforme de igualdade social, cultural e sexual.
REFERÊNCIAS
BARNARD, Malcolm. Moda e comunicação. Tradução de Lúcia Olinto. Rio de Janeiro: Rocco, 2003, p. 189-193.
SANT’ANNA, Maria Rúbia. Teoria de moda: sociedade, imagem e consumo. São Paulo: Estação das Letras Editora, 2007, p. 79-89.
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